BENEDITO
BUZAR
No
calendário religioso do Maranhão, a festa em homenagem ao Divino Espírito Santo
dá ao mês de maio uma singularidade especial. O evento está de tal modo
presente na cultura popular maranhense que é celebrado, com ritual específico e
diversificado, em 150 municípios, sendo 66 em São Luís e 84 no interior do
Estado, conforme levantamento feito pelo Centro de Cultura Popular Domingos
Vieira Filho.
De acordo
com a pesquisadora Maria Michol Pinho de Carvalho, “A Festa do Divino veio de
Portugal para o Brasil, por volta do século XVI, com os colonizadores
lusitanos, tornando-se popular em vários Estados”, dentre os quais o Maranhão, graças
aos casais de açorianos aqui aportados entre 1615 e 1625,
A festa
celebra a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. A devoção ao Divino obedece
a um ritual em que são figuras centrais o imperador, a imperatriz, os mordomos,
vassalos, aias, alferes e caixeiras, estas, vestidas com indumentárias vistosas
que se encarregam de tocar as caixas e entoar cânticos de louvor ao Espírito
Santo.
Em
Itapecuru, no meu tempo de infância e adolescência, quatro festas religiosas despertavam
as atenções de meus conterrâneos. Em maio, pontificava a festa do Divino
Espírito Santo; em setembro, a festa da padroeira,Nossa Senhora das Dores, predominava;
em outubro, celebrava-se com pompa a festa da Santa Cruz; em dezembro, a festa
de São Benedito, a mais animada e a mais popular, polarizava intensa e
entusiasticamente a comunidade.
Não disponho
de informações da época em que a festa do Divino começou a ser celebrada em
Itapecuru. Pela presença de expressivos contingentes de colonos portugueses em
terras itapecuruenses, é de supor-se que o festejo, a partir do século XVII,
tenha encontrado ali ambiente propício para prosperar, reinar e se projetar ao
longo do tempo.
Acredito também
que o festejo, em minha terra, como evento popular e religioso, impôs-se de tal
modo que atravessou séculos e chegou aos meados do século XX, quando começou a
perder força em face da morte de um homem chamado Francisco Veras,próspero
comerciante da cidade, que em companhia da esposa, Dona Castorina, cuidava dos
preparativos do festejo, a exemplo do que acontecia em outras partes do
Maranhão, especialmente em Alcântara, dando-lhe imponência, brilho, não fugisse
da tradição e fosse cultuado com fervor.
Eu, ainda criança, assisti, empolgado e enternecido,
o casal Veras dedicar-se de corpo e alma ao festejo e desdobrar-se para que o
ritual do Divino não perdesse a pompa e conservasse suas características originais
e intrínsecas, realçadas com a participação do imperador, da imperatriz e da
corte, que primavam em se apresentar com roupas deslumbrantes, que lembravam a
realeza.
Lembro-me
bem do cortejo régio que saia pelas ruas da cidade, sempre acompanhado das
caixeiras e da banda de música, que se alternavam nas homenagens ao Divino, em
nome do qual arrebanhavam donativos e se transformavam em comidas e doces pelas
mãos dos organizadores da festa.
Não posso
esquecer o espetáculo proporcionado pelas caixeiras, mulheres de idade madura,
que cantavam, dançavam e tocavam caixas – tambores em formato de cilindros,
feitos com folha de zinco ou compensado e pintados. O som emanado das caixas
era produzido por duas baquetas de madeira e afinadas por cordas laterais,
presas a dois aros de madeira.
As caixeiras
eram recrutadas na própria cidade, mas também provinham de Anajatuba e dos
povoados de Santa Rosa, Outeiro e Felipa, habitat dos quilombolas. Dentre as
mais famosas na arte, sobressaiam-se Ana Júlia, Fausta, Antônia Lago, Delfina,
Espírito Santo, Minoca, Chiquinha Pendão e Maria Meneses.
O festejo,
pelo seu brilhantismo e fervor popular, estendia-se por 13 dias, no curso dos
quais a corte imperial cumpria um roteiro recheado de cerimônias, algumas
sagradas, outras profanas, com destaque para missas, ladainhas, novenas e
cortejos.
Na frente do
cortejo, o imperador levava a coroa, e a imperatriz conduzia a pombinha do
Divino. Mais atrás, as caixeiras e os súditos. Agrupados, visitavam os mordomos
em suas casas, sendo recebidos ruidosamente com foguetes, cânticos religiosos e
mesas ornamentadas e repletas de guloseimas.
Uma atração magnetizava
os fiéis: a instalação do mastro na frente da igreja, trazido de algum povoado
nas costas dos devotos. O mastro, extraído de um tronco de árvore, era
revestido de flores e frutas. Bem no alto do mastro, tremulava uma vistosa
bandeira vermelha do Divino. Rezava a tradição que o mastro só podia ser
retirado da frente da igreja no encerramento do festejo, ato solene e assistido
pela comunidade.
Esse
encantador evento religioso e popular, que me traz singelas recordações do
passado, desapareceu da cena itapecuruense com a velhice do saudoso Francisco
Veras, que morreu sem encontrar alguém que o sucedesse no comando da festa.