segunda-feira, 18 de março de 2013

CARTA DO AMIGO SARNEY



Envaideço-me de ser amigo fraterno do cidadão e político José Sarney, do qual tenho recebido, sempre, demonstrações de apreço pessoal.
Não é de hoje que ele dispensa-me gentilezas, fazendo que eu as retribua com a mesma intensidade e afeto. São frutos da admiração recíproca nas áreas políticas, humanas e intelectuais.
Não foram poucas às vezes em que pude avaliar e ter a certeza de que essa amizade é verdadeira, sincera e duradoura.  Agora mesmo, chega às minhas mãos um documento que me deixou emocionado, feliz e honrado. Em meio a tantas homenagens e mensagens de amigos, por causa da sessão especial, realizada pela Assembleia Legislativa, no dia 18 de fevereiro último, que simbolicamente  devolveu-me o mandato eletivo,  violentamente extorquido em abril de 1964, de Sarney recebo uma carta singela, calorosa e histórica.
Vou torná-la pública, para que se possa dimensionar o lado solidário do  seu remetente: “ Meu caro Buzar. Quero abraçá-lo afetuosamente e dizer da minha satisfação pela solenidade da Assembleia Legislativa reparando-lhe, simbolicamente, o ato de truculência cometido contra você durante aqueles primeiros dias da Revolução de 64.
“ O Maranhão, para tristeza nossa, foi um dos poucos estados em que se aproveitou a perplexidade do momento para que a Assembleia pudesse fazer uma limpeza de adversários, um gesto que nem dos chefes da Revolução obteve concordância.
“ Como disse  em artigo, o presidente Castelo Branco, ao tomar conhecimento das cassações no Maranhão, mandou que os comandantes militares de todas as Regiões interviessem para que as Assembleias Legislativas se abstivessem de determinar punições, o que somente a eles era reservado.
“À época, ao que me consta, passou pelo Estado um enviado do presidente Castelo com essas determinações.
“ O Congresso Nacional não fez nenhum ato de cassação de colegas; todas as cassações de parlamentares foram determinadas por militares com base no AI-1 e, em algumas vezes, o Parlamento, como no gesto do presidente da Câmara de Deputados, Adauto Cardoso, recusou-se a cumpri-las.
“ Sei perfeitamente que o ato do deputado Arnaldo Melo, igual ao que fizemos no Senado,  com relação ao presidente Juscelino Kubitscheck, não apaga a mancha da injustiça que lhe foi perpetrada, mas, sem dúvida alguma, representa o resgate para a memória do presente do quanto você representa em dignidade política, sendo vítima de uma época que, felizmente, foi ultrapassada pela História do Brasil. Receba um abraço afetuoso do seu amigo, José Sarney”.
O autor desta carta teve soberbas razões para guardar certas reservas à minha pessoa, pois, em 1965, quando das eleições ao governo do Estado, eu, já com o mandato cassado pela Assembleia Legislativa, atirei-me de corpo e alma na campanha sucessória, ficando ao lado da candidatura de Renato Archer.
Em se elegendo governador, Sarney poderia vingar-se quando Joaquim Itapary indicou-me para fazer parte do corpo técnico da Sudema, o principal órgão do governo, que cuidava do planejamento, controle e aplicação dos recursos estaduais nas obras de infra-estrutura. Ao contrário, não fez qualquer restrição ou oposição, dando importância ao meu ingresso no setor público, do qual estava à margem e sendo mal visto pelas forças da repressão.
Mais ainda: quando os militares começaram a pressionar Sarney para que fizesse um completo expurgo na máquina administrativa do Estado, que estaria contaminada e ocupada por “elementos subversivos”, do quilate de Bandeira Tribuzi, Joaquim Itapary, Mário Leal, Celso Coutinho, Sálvio Dino, Arlindo Raposo, eu e mais outros,  o que se viu?
 Foi o jovem e corajoso governador sair em defesa dos acusados de “práticas subversivas”,  bem como repudiar as tentativas de demiti-los  sumariamente do governo. Assim procedia porque acreditava que  estávamos engajados no projeto de fazer o Maranhão sair do estágio de abandono e  do secular atraso político, social e econômico em que se encontrava.   
Por causa dessa indomável posição, José Sarney por pouco não foi degolado pelo Ato Instituição -5. Sua cabeça foi reiteradamente colocada na mesa, tanto que chegou a emitir um manifesto ao povo maranhense, em que relatava as pressões que vinha sofrendo e, se perdesse o mandato de governador, deixaria o Palácio dos Leões ciente do dever cumprido.
Esse é o lado altamente positivo de Sarney, que pouca gente, nos dias correntes, conhece e procura minimizá-lo. Alguns por desinformação, outros por ignorância ou má-fé. Trata-se de uma operação macabra, visando distorcer a sua imagem política e  apresentá-lo como um carreirista ou obcecado pelo poder, o que não corresponde com a verdade e a realidade.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O ITAPECURUENSE ZUZU NAHUZ

Dias atrás, recorri ao exercício da memória na tentativa de encontrar ou descobrir um itapecuruense que devote a terra onde nasci um desvelo tão forte quanto o meu.
Considero-me um itapecuruense profissional, só para lembrar o escritor Josué Montello quando se referia a São Luís. Não consigo  esquecer o meu torrão natal. Esteja onde estiver, fora ou dentro do Brasil, a passeio ou a serviço, as lembranças de minha infância e adolescência, ali vividas, continuam presas no meu pensamento.  Daí o meu espanto quando vejo pessoas que desprezam a terra em que nasceram e a ela não dedicam nenhum apreço.
Aprendi a amar o Itapecuru mercê dos exemplos legados por meu pai-Abdala Buzar, que, em vida, como homem público ou empresário, fez tudo pela terra aonde chegou recém-nascido, conquistou o registro civil, construiu família e tornou-se digno da admiração e da estima do povo.
Feitas essas considerações, uma revelação  se impõe como resultado de uma longa e  sensata reflexão: esse carinho desmesurado que devoto a Itapecuru só tiro o chapéu para a figura humana de Raimundo Nonato Coelho Nahuz, que se tornou conhecida por Zuzu Nahuz.
Seja como redator dos jornais  O Combate e A Tarde,  seja como dono  do Correio do Nordeste, Zuzu  deixou farta e preciosa documentação sobre a terra em que nasceu, evocando-a em suas  crônicas e artigos as coisas, os fatos, os eventos, os  acontecimentos e as pessoas de Itapecuru.
Tenho em meu poder mais de cem cópias dessas crônicas,  nas quais  fazia comentários e discorria sobre episódios factuais de Itapecuru, nas décadas de 1930 e 1940, quando ali morou em companhia dos pais e irmãos.  Toda essa produção jornalística foi conseguida na Biblioteca Pública do Estado do Maranhão, quando eu fazia pesquisa e recolhia subsídio para escrever o esgotado e sempre procurado – O Vitorinismo.  
Estes artigos, que  mostram também a privilegiada memória de Zuzu,   estão guardados, conservados, revisados e digitalizados,  à espera, prioritariamente, de  um órgão público ou de um prefeito de Itapecuru,  que se sensibilize e autorize a publicação. Mas se não encontrar quem o faça, prometo que, até antes de viajar para a cidade dos pés juntos, eu darei este presente às novas gerações itapecuruenses.
Para quem não conheceu pessoalmente Zuzu, convém esclarecer que as crônicas foram escritas após ele ter perdido a visão. A esse respeito,  em artigo publicado no Correio do Nordeste, de 15 de abril de 1962, intitulado “Sentença Inexorável”,  confessa, de maneira triste, mas realista,  como  começou o processo que fez os seus olhos deixarem de brilhar e de ver a luz do dia: “O calendário marca 16 de março de 1930, são 10 horas da manhã. Estou em pleno “Colégio Magalhães de Almeida”, na Rua do Egito, na legendária Itapecuru-Mirim. Chega a minha vez para a aula de leitura no livro “Nossa Pátria”, de Rocha Pombo. Nada pude fazer, infelizmente. Surgia diante de mim, o fantasma da cegueira! As letras fugiram dos meus olhos e eu de cabeça baixa disse ao saudoso professor Oliveira Roma: Não estou enxergando nada. Não sei o que há comigo. De repente, as lágrimas correram impetuosas pelo meu rosto. Fui acometido de uma crise nervosa”.
O relato de Zuzu é longo e impede-me de transcrevê-lo na íntegra.  Mas diz que, no dia seguinte ao seu drama, em viagem de trem, acompanhado dos pais, veio para São Luís, onde foi assistido pelos médicos Carlos Macieira, Tarquínio Lopes Filho, Vieira de Azevedo e Pinheiro Costa, que aconselharam o comerciante Sadick Nahuz a  levar o filho para o Rio de Janeiro.
Na Cidade Maravilhosa chegaram, depois de uma viagem de navio,  em julho de 1930.  Zuzu foi consultado pelos melhores oftalmologistas do país, Gabriel Andrade Abreu Fialho e Moura Brasil, que nada puderam fazer diante do diagnóstico já evidenciado pelos médicos maranhenses: atrofia do nervo ótico, com origem sifilítica hereditária.
Zuzu, anos depois, ainda tentou recuperar parcialmente a visão, mas a cirurgia, realizada no Rio de Janeiro, foi em vão. Mesmo sem a capacidade de ver as coisas, por ser talentoso e arguto, abraçou a atividade jornalística. Nas redações por onde passou, mantinha uma coluna diária, sob o título de “Rosa dos Ventos”.
Ninguém melhor do que Lago Burnett para definir o jornalismo praticado por Zuzu Nahuz. Por isso, dedicou-lhe bela crônica, publicada no Jornal do Brasil, em 22 de junho de 1973. Dela extraio esta frase verdadeira e sincera: “Zuzu era um dos melhores sujeitos que já conheci. Só tinha um defeito para o exercício do cargo. Era cego. Mas compensava essa deficiência com o aprimoramento da memória”.  Assino em baixo.                
BENEDITO BUZAR