BENEDITO BUZAR
Nos anos 60, do confronto
entre as forças populares e de vanguarda, que lutavam pela implantação das
reformas de base no país, e os segmentos conservadores e reacionários, que
resistiam a essas mudanças, irrompeu o movimento militar que, a pretexto de
combater o comunismo e a corrupção, golpeou a democracia, derrubou o presidente
da República, João Goulart, e instalou um regime de exceção e autoritário.
No Maranhão, de pronto, o governo
do Estado e os setores militares colocaram em ação medidas repressivas, com o
objetivo de impor a nova ordem política instaurada no país inteiro, com base
nos Atos Institucionais decretados pelo regime revolucionário.
Enquanto o Poder Executivo,
através da Secretaria de Segurança, prendia as lideranças sindicais e
populares, fechava as entidades representativas dos trabalhadores, intervinha
em órgãos públicos e censurava jornais e emissoras de rádio, o Poder
Legislativo, que estava em recesso, era convocado extraordinariamente para
funcionar e emprestar solidariedade ao governo militar e acompanhar a situação
política vigente.
Com a cassação de mandatos de
deputados federais e senadores, respaldado no Ato Institucional-1, a Assembléia Legislativa do
Maranhão, querendo mostrar serviços aos novos detentores do poder, avocou a
incumbência ilegal e ilegítima de cassar mandatos eletivos.
Por iniciativa da bancada
majoritária, as lideranças do PSD, no dia 16 de abril de 1964, resolveram
apresentar um insólito e impertinente Projeto de Resolução, regulando a
cassação de mandatos de prefeitos municipais e membros dos corpos legislativos
estaduais e municipais, estabelecendo ainda outros procedimentos atentatórios à
Constituição, que não fora derrogada e ao próprio Regimento Interno do Poder
Legislativo.
Com o extravagante Projeto de
Resolução à mão, os deputados partiram para a execução de um maquiavélico plano
de retirar da cena política os parlamentares não alinhados ao esquema
governista.
Em ação paralela, do Palácio
dos Leões foi expedido um cabograma, assinado pelo presidente da Assembléia
Legislativa, deputado Frederico Leda, ao general Justino Alves Bastos,
comandante do IV Exército, solicitando nomes de deputados e suplentes incluídos
na relação de comunistas e incursos no Ato Institucional.
Enquanto se aguardava a
resposta do comandante do IV Exército, notava-se um desejo de vingança e de
represália e de que alguma coisa estava sendo articulada com o propósito de
tomar os mandatos de alguns parlamentares que não rezavam na cartilha governista.
Depois de dias de
expectativa, em 24 de abril, o general Justino Alves Bastos encaminha um
radiograma ao comandante do 24º Batalhão de Caçadores, o qual, imediatamente,
convoca o presidente da Assembléia e os líderes da maioria e da minoria para
tomarem ciência da resposta do IV Exército, que mandava cassar os mandatos dos
“deputados comunistas Sálvio Dino, Benedito Buzar, e dos agitadores Joaquim
Mochel e Vera Cruz Marques, e se for o caso, Ricardo Bogéa”.
O comandante da Guarnição federal, por sua
vez, ordenou que fossem também cassados os suplentes de deputados Bandeira
Tribuzi, William Moreira Lima e José Bento Neves, presos no 24º BC. O documento
militar, em seguida, foi encaminhado à Comissão de Justiça da Assembléia para
se pronunciar a respeito da matéria.
Na sessão de 24 de abril, a
toque de caixa e com base no parecer favorável da CJ, foi votado o Projeto de
Resolução nº 17 declarando a perda dos mandatos dos deputados apontados como
comunistas pelo IV Exército e dos indicados como agitadores pela Guarnição
federal. A Comissão de Justiça, numa
atitude até certo ponto surpreendente, poupou o mandato do deputado Ricardo
Bogeá.
Realizados os procedimentos
regimentais, a Assembléia convocou uma sessão extraordinária na manhã do dia 25
de abril, com o fim de banir da vida pública este escriba e seus companheiros
de luta política.
Antes de o projeto ser
submetido à votação, vários deputados usaram a palavra, alguns, hipocritamente,
para lamentar o fato, outros, sabujamente, para louvar a iniciativa dos
militares.
Eu e Sálvio Dino também
discursamos, quando apresentamos as nossas despedidas e relatamos os
compromissos políticos assumidos com o povo maranhense, não deixando também de
lamentar que a Assembléia tivesse se envolvido numa questão que não era de sua
alçada e competência e, ademais, violado o direito líquido e certo de ter o
processo de perda de mandato adstrito ás normas jurídicas que disciplinam a
matéria e consubstanciadas em falhas gritantes.
Depois dos discursos, com as
galerias lotadas e revoltadas, procedeu-se à votação, sendo o Projeto aprovado
por 27 deputados. Em seguida, alguns parlamentares depositaram nos ombros dos
cassados copiosas lágrimas, para expiar culpas e responsabilidades que, por
pusilanimidade, procuravam transferir às pressões militares.
Com a perda de nossos
mandatos, impetramos mandado de segurança contra o ato ilegal e arbitrário da
Assembléia Legislativa. Através de peça jurídica notável e lúcida da autoria do
professor Antenor Bogéa, provamos ao
Tribunal de Justiça as transgressões praticadas contra expressos dispositivos
da Constituição do Estado e demonstramos, com abundância de argumentos
extraídos do direito positivo, que fomos vítimas de aberrante iniqüidade.
De nada adiantou o petitório
encaminhado ao Poder Judiciário, que com as suas prerrogativas constitucionais
suprimidas pelos Atos Institucionais, julgou-se incompetente para apreciar o
nosso pleito, sendo então arquivado nos armários do TJ.
Quarenta e oito anos daquela
sessão de triste memória, que aviltou de modo irreversível a história e o
desempenho da Assembléia Legislativa do Maranhão, faço o registro do nefasto episódio
sem ódio ou mágoa, pois no meu coração não há lugar para guardar ressentimentos,
rancores ou revanchismos.
Lembrar daquele insano e repugnante
ato serve apenas para mostrar às novas gerações de maranhenses que, infelizmente,
passamos por tempos tenebrosos e vergonhosos, mas que esperamos não mais voltar
para a felicidade do povo brasileiro.
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