Dias atrás,
recorri ao exercício da memória na tentativa de encontrar ou descobrir um
itapecuruense que devote a terra onde nasci um desvelo tão forte quanto o meu.
Considero-me
um itapecuruense profissional, só para lembrar o escritor Josué Montello quando
se referia a São Luís. Não consigo esquecer
o meu torrão natal. Esteja onde estiver, fora ou dentro do Brasil, a passeio ou
a serviço, as lembranças de minha infância e adolescência, ali vividas,
continuam presas no meu pensamento. Daí
o meu espanto quando vejo pessoas que desprezam a terra em que nasceram e a ela
não dedicam nenhum apreço.
Aprendi a amar o Itapecuru mercê dos exemplos
legados por meu pai-Abdala Buzar, que, em vida, como homem público ou empresário,
fez tudo pela terra aonde chegou recém-nascido, conquistou o registro civil,
construiu família e tornou-se digno da admiração e da estima do povo.
Feitas essas
considerações, uma revelação se impõe
como resultado de uma longa e sensata reflexão:
esse carinho desmesurado que devoto a Itapecuru só tiro o chapéu para a figura
humana de Raimundo Nonato Coelho Nahuz, que se tornou conhecida por Zuzu Nahuz.
Seja como redator
dos jornais O Combate e A Tarde, seja como dono do Correio do Nordeste, Zuzu deixou farta e preciosa documentação sobre a
terra em que nasceu, evocando-a em suas crônicas
e artigos as coisas, os fatos, os eventos, os acontecimentos e as pessoas de Itapecuru.
Tenho em meu
poder mais de cem cópias dessas crônicas,
nas quais fazia comentários e
discorria sobre episódios factuais de Itapecuru, nas décadas de 1930 e 1940,
quando ali morou em companhia dos pais e irmãos. Toda essa produção jornalística foi conseguida
na Biblioteca Pública do Estado do Maranhão, quando eu fazia pesquisa e
recolhia subsídio para escrever o esgotado e sempre procurado – O
Vitorinismo.
Estes
artigos, que mostram também a
privilegiada memória de Zuzu, estão guardados, conservados, revisados e
digitalizados, à espera, prioritariamente,
de um órgão público ou de um prefeito de
Itapecuru, que se sensibilize e autorize
a publicação. Mas se não encontrar quem o faça, prometo que, até antes de
viajar para a cidade dos pés juntos, eu darei este presente às novas gerações itapecuruenses.
Para quem
não conheceu pessoalmente Zuzu, convém esclarecer que as crônicas foram escritas
após ele ter perdido a visão. A esse respeito, em artigo publicado no Correio do Nordeste, de
15 de abril de 1962, intitulado “Sentença Inexorável”, confessa, de maneira triste, mas
realista, como começou o processo que fez os seus olhos deixarem
de brilhar e de ver a luz do dia: “O calendário marca 16 de março de 1930, são
10 horas da manhã. Estou em pleno “Colégio Magalhães de Almeida”, na Rua do
Egito, na legendária Itapecuru-Mirim. Chega a minha vez para a aula de leitura
no livro “Nossa Pátria”, de Rocha Pombo. Nada pude fazer, infelizmente. Surgia
diante de mim, o fantasma da cegueira! As letras fugiram dos meus olhos e eu de
cabeça baixa disse ao saudoso professor Oliveira Roma: Não estou enxergando
nada. Não sei o que há comigo. De repente, as lágrimas correram impetuosas pelo
meu rosto. Fui acometido de uma crise nervosa”.
O relato de
Zuzu é longo e impede-me de transcrevê-lo na íntegra. Mas diz que, no dia seguinte ao seu drama, em
viagem de trem, acompanhado dos pais, veio para São Luís, onde foi assistido
pelos médicos Carlos Macieira, Tarquínio Lopes Filho, Vieira de Azevedo e
Pinheiro Costa, que aconselharam o comerciante Sadick Nahuz a levar o filho para o Rio de Janeiro.
Na Cidade
Maravilhosa chegaram, depois de uma viagem de navio, em julho de 1930. Zuzu foi consultado pelos melhores
oftalmologistas do país, Gabriel Andrade Abreu Fialho e Moura Brasil, que nada
puderam fazer diante do diagnóstico já evidenciado pelos médicos maranhenses:
atrofia do nervo ótico, com origem sifilítica hereditária.
Zuzu, anos
depois, ainda tentou recuperar parcialmente a visão, mas a cirurgia, realizada
no Rio de Janeiro, foi em vão. Mesmo sem a capacidade de ver as coisas, por ser
talentoso e arguto, abraçou a atividade jornalística. Nas redações por onde
passou, mantinha uma coluna diária, sob o título de “Rosa dos Ventos”.
Ninguém
melhor do que Lago Burnett para definir o jornalismo praticado por Zuzu Nahuz. Por
isso, dedicou-lhe bela crônica, publicada no Jornal do Brasil, em 22 de junho
de 1973. Dela extraio esta frase verdadeira e sincera: “Zuzu era um dos
melhores sujeitos que já conheci. Só tinha um defeito para o exercício do
cargo. Era cego. Mas compensava essa deficiência com o aprimoramento da
memória”. Assino em baixo.
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