BENEDITO BUZAR
Machado de Assis, o maior
escritor brasileiro, em um de seus conhecidos sonetos, deixou eternizada esta
dúvida: “Mudei eu ou mudou o Natal?”
A indagação machadiana toca-me
e remete à minha terra, onde nasci, vivi a infância e a adolescência, tempos em
que o Natal não era conduzido pelo desenfreado consumismo, fator que transformou
a maior festa da cristandade numa farra gastronômica e permuta de lembranças e
presentes.
Se atualmente o sentimento material
preside as festas natalinas, no passado,
o sentido da espiritualidade reinava como principio básico do evento cristão.
Lembro-me da comemoração do
Natal, em Itapecuru, quando as famílias não se preocupavam com a ornamentação das
residências e nem as autoridades com a decoração e iluminação das ruas. Tudo
girava em torno da vinda ao mundo do Salvador.
Naquela época,
decoração natalina, à base de
luzes e enfeites nem pensar, pois a cidade ainda não estava servida por energia
elétrica. Mesmo com a inauguração da usina de eletricidade, em 1949, pelo
prefeito Miguel Fiquene, em nenhuma casa, fosse de rico, remediado ou pobre, via-se
esse apetrecho feérico, que surgiu, anos mais tarde, como resultado do processo
de modernização da sociedade.
Por isso, no Natal, a comunidade
itapecuruense só pensava cumprir e manter aquela tradição que se arrastava ao
longo do tempo: os presépios, os quais, depois de instalados, viravam atrações na
cidade, com as imagens que representavam o nascimento de Jesus Cristo.
Na manjedoura, confeccionada e
armada com palhinhas e plantas domésticas, as presenças simbólicas e idolatradas
do Menino Deus, da Virgem Maria, de São José, dos Reis Magos- Gaspar, Belchior
e Baltazar, de anjos e pequenos animais.
Os presépios pontificavam na
cidade e não eram numerosos. Alguns se apresentavam bem arrumados e enfeitados; outros, contudo, mais
humildes e simples, como a maioria da população. Ouso afirmar que o principal e
mais visitado era organizado por Raimundo Coelho, mais conhecido por Mundico
Rifiri, que residia numa casa localizada na antiga Rua Deserto, depois virou Paulo Ramos, agora
é Mariana Luz.
Havia também o presépio da
igreja, montado no interior da nave e cuidadosamente
preparado pelas irmandades religiosas. O de Mundico Rifiri recebia os caprichos do próprio dono da casa, que
o cuidava com esmero e o apresentava com prazer a todos quantos fossem visitá-lo, com a
prática de um ritual que acontecia todas as noites. Ali, as famílias e os curiosos
se acotovelavam não apenas para admirar aquela obra de arte, mas também
participar das ladainhas, entoadas sob fervorosas preces e cânticos religiosos.
Os presépios só eram desmontados
a 6 de janeiro, dia consagrado aos Reis Magos, com a queima das palhinhas. O
anfitrião oferecia aos convidados mesas com doces e bebidas não alcoólicas. A
banda musical da cidade não deixava de comparecer ao evento, que alternava
toques profanos e religiosos.
Outra atração também marcante
nos dias dedicados ao nascimento do Menino Deus: as apresentações teatrais,
chamadas de autos natalinos, que se realizam no quintal da casa do Sr. Tinoco, num
palco onde as crianças, vestidas a caráter, protagonizavam cenas que lembravam a
chegada de Cristo. Os ensaios ficavam sob a responsabilidade das filhas do dono da casa, Zainha e Dorinha.
Na noite de Natal, o ponto
alto se dava com a celebração solene da Missa do Galo, que começava rigorosamente
à meia-noite e ministrada pelos padres da época: Alfredo Bacelar, Alteredo
Soeiro e José Albino Campos.
Praticamente toda a população
comparecia ao ofício religioso, para reverenciar e louvar o nascimento do Filho
de Deus. Terminada a missa, os fiéis aglomeravam-se em frente à igreja e se
abraçavam fraternalmente, como mandava a tradição cristã. Nesse instante, os
sinos repicavam e os foguetes pipocavam no ar.
Poucas famílias, geralmente só
as mais abastadas, se davam ao luxo de preparar ceias natalinas, não servidas na
véspera do Natal, mas no almoço do dia 25 de dezembro, que não chegavam perto
das de agora. Caracterizavam-se pela
frugalidade, até porque os produtos natalinos,
a maioria sofisticada e importada, só podiam ser vistos na mesa dos mais
afortunados e também escassos no mercado.
Os pratos que formavam a ceia eram triviais e tradicionais, pontificando peru e leitão assados ao forno, galinha ao molho
pardo com ervilhas, fritada de miúdos, vatapá e outros iguarias, sem esquecer
as deliciosas farofas.
Não posso esquecer um
festejado costume, que dominava a cidade na noite de Natal. Após a Missa do
Galo, a prática do roubo de galinhas dos
quintais dos incautos. Essas operações não eram de grande risco, pois os
lesados não corriam atrás dos prejuízos e nem davam queixas à polícia. Eram
praticadas com o sentimento da aventura e com objetivo de proporcionar um bom
jantar no correr da madrugada. As vítimas dessas ações, muitas vezes
participavam desses rega-bofes.
No tocante aos mimos
natalinos, só crianças tinham o privilégio de recebê-los e aquelas que faziam
parte da elite local. Não eram brinquedos sofisticados e caros como os atuais.
Os pais compravam em São Luis, pois o
comércio de Itapecuru não vendia artigos dessa natureza ou refinados.
Os presentes, escondidos ou
guardados a sete chaves, só chegavam às mãos dos filhos na madrugada do Natal, depois
de colocados debaixo das redes ou ao lado das camas. Lembro da minha ansiedade
e de meus irmãos para descobrirmos, ao acordar, o que Papai Noel nos trouxera.
O troca-troca de presente
entre adultos não existia. Essa brincadeira, inventada por imposição do marketing
empresarial, através dos conhecidos “amigos ocultos” ou “amigos secretos”, só
apareceu anos depois, para incrementar o faturamento da indústria e do
comércio.
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